É um prazer imenso colaborar de alguma forma com esse projeto maravilhoso. Sempre quis fazer algo que pudesse retribuir para o universo o bem que recebi ajudando pessoas na situação que estive um dia, para que tudo se torne mais leve, sem dramas, sem maiores danos do que os que já ocorrem por conta de um tratamento que precisa ser agressivo.
Fui muito ajudada e gostaria de retribuir. Parece que surgiu mais uma possibilidade. Minha conta com o cara lá de cima é alta. Bem, toda história tem um início, então, vamos lá. Descobri em 2004, aos 43 anos, um nódulo na mama que meu ginecologista falou que não era nada e eu ouvi exatamente o que eu queria.
Em maio de 2005, o nódulo que não era nada, ficou palpável e minha mama mais vermelha a cada dia. Fiquei em pânico. Procurei um masto e oncologista (um dos meus anjos da guarda) e, depois de todos os exames, veio a confirmação com a biópsia positiva. Eu tinha 43 anos, muita coisa por fazer, dizer e viver e estava com um câncer de mama inflamatório, grave.
Fiquei um ano em tratamento pré-cirúrgico. Fiz 8 sessões de quimioterapia (a cada 21 dias) e 28 sessões de rádio antes de poder fazer a cirurgia, pois não tinha pele saudável para fechá-la. Foi um processo difícil, já que não sabia qual o resultado disso tudo. Dois meses antes de eu poder milagrosamente fazer a cirurgia (mastectomia radical com esvaziamento axilar), perdi minha mãe. Eu me via em uma ponte e lá embaixo um precipício. Só tinha duas opções: me jogar ou seguir em frente. Decidi pela segunda, claro, senão essa ia ser uma psicografia bem moderninha.
Eu sabia que, no meu corpo, estava acontecendo uma batalha e era um exército cego, que atacava tanto as células sadias como as doentes. E eu fazia parte agora do grande time de aflitas. Conversava com minhas células (sadias e doentes) e com meu tumor, que se chamava Antedegmon. Avisava a ele que seus dias estavam contados. Eu estava indo do luto à luta. A alegria e o bom humor sempre foram os melhores remédios. Não é fácil perder os cabelos, a mama, a autoestima, a libido e muitas vezes o companheiro, a família e os amigos que não conseguem nos dar apoio. Não por maldade, mas por medo também.
Para mim, a situação que tive muita dificuldade em administrar foi a de contar para meus pais que eu estava doente. Ainda bem que minha irmã fez isso por mim. Eu só contei que o gato tinha subido no telhado. Foi só o que consegui fazer.
Enquanto estava fazendo químio, fui até o correio na época do Natal e aconteceu um assalto. Tentei sair à francesa, mas tinha outro deles na porta. Falei pro cara: “olha, eu estou com câncer, tá vendo, estou careca. Leve o que quiser menos meus documentos, meu cartão do SUS e meu exame de sangue, porque tenho pânico de agulhas e não vou fazer outro nem a pau. E tem mais, morrer de câncer eu aceito, mas de bala perdida, nem pensar”. Acho que, até hoje, ele lembra de uma careca insana que estava ali por algum motivo. Conversando depois com a minha mãe a respeito da loucura que fiz, porque poderia ter tomado um tiro, concluímos assim: o cara lá de cima estava querendo que eu entendesse que não precisava ter medo de morrer de câncer. Poderia ser de bala perdida mesmo, ou outro motivo qualquer. E a qualquer momento. Depois desse dia não senti mais medo do câncer. Enfrentei o Antedegmon com FÉ, RESIGNAÇÃO E CORAGEM, minhas palavras de ordem.
Ainda é uma tortura quando tenho que fazer exames que me enxerguem por dentro. Qualquer movimento estranho do médico, a cabeça vai a mil. Já tenho aí uma estrada de 8 anos e ainda me dá desconforto. Acho que isso nunca vai realmente passar.
Tenho que abençoar meus médicos até o fim dos meus dias e ainda vão ficar com crédito. Tenho por essa dupla dinâmica amor e gratidão eterna. A família e os verdadeiros amigos são os outros anjos que são enviados para que a gente tenha força e sustentação para lutar essa batalha que é só nossa e que modifica tudo e todos a nossa volta. E de nossa reação vai depender se isso será para melhor ou pior.
Depois do câncer, nunca mais fui a mesma pessoa. Tornei-me melhor. Meus valores mudaram e minha visão da vida também. Não pretendo fazer reconstrução mamária porque não sou uma mama perdida. Sou uma mulher por inteiro e que tem por obrigação saber exatamente o que fazer com o restante do seu corpo e ser feliz. E minha cicatriz me lembra de que tive outra oportunidade e preciso saber aproveitá-la. Que milagres existem; que existem médicos maravilhosos, humanos, gentis, competentes, sensíveis e que estão junto conosco nessa guerra.
Tenho hoje 50 anos, sou Terapeuta Ocupacional, aposentada em decorrência da mastectomia, feliz, em paz, agradecida. O pior já passou.
Grande abraço, desejando saúde, força, fé e coragem. E muito AMOR.
Heloísa.
Heloisa em 2006
Em 2013 :)
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