terça-feira, 10 de setembro de 2013

Teste do pezinho pode identificar futuro câncer

A possibilidade de mapear, na primeira infância, mutações hereditárias que podem desencadear cânceres pode estar perto de ser uma realidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa é a intenção de um grupo de pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp), que desenvolveu um kit para a detecção de mutação genética ligada à doença. A nova tecnologia poderá ser integrada ao teste do pezinho e ajudar os oncologistas a detectar as doenças ligadas à síndrome de Li-Fraumeni — caracterizada pela ocorrência de vários tumores em um mesmo paciente — antes mesmo de elas se manifestarem.

O projeto foi desenvolvido no Centro Infantil Boldrini, hospital filantrópico especializado em oncologia e hematologia pediátrica. A tecnologia possibilita a rápida identificação da mutação R337H do gene TP53 e em grande escala. A alteração está ligada à síndrome de Li-Fraumeni, condição hereditária rara caracterizada pelo aparecimento de vários tumores em uma única pessoa. “Pelo menos 70% dos casos de câncer são de origem esporádica e aparecem quando a pessoa está mais velha, aos 60 ou 70 anos. Mas, quando a mutação está presente também nas células sexuais dos pais, o bebê pode nascer com todas as células do corpo portadoras da mutação”, explica Antônio Abílio Pereira da Santa Rosa, oncogeneticista do Hospital Federal de Bonsucesso e da Oncoclínica, no Rio de Janeiro.

Leucemia e câncer de mama estão entre os problemas desencadeados pela síndrome. “O tumor de córtex adrenal, que é a glândula localizada em cima dos rins, é um tipo maligno. Em crianças, em geral, a manifestação mais comum é a presença de massa na barriga. Ele tem alguns sinais, como pressão alta, hipertensão arterial, dor e perda de peso”, complementa Luis Sakamoto, oncologista pediátrico do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB).

Segundo Sakamoto, o câncer de córtex adrenal tem frequência elevada em pacientes com Li-Fraumene e geralmente é descoberto quando já atingiu a metástase. “O prognóstico não é bom, a não ser que seja diagnosticado precocemente. A massa deve ser retirada, mas, se houver metástase, fica complicado. No mais, crianças tendem a se recuperar com mais facilidade dessas doenças.” Outro tumor comum é o carcinoma de plexo coroide, que ataca o cérebro. Ele é causado por anomalias no líquido que banha o sistema nervoso e pode ser tratado com quimioterapia.

Isabel Pereira Caminha, aluna de genética e biologia molecular do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, desenvolveu o kit durante o doutoramento. “Ele é composto pelos reagentes necessários para a execução da detecção da mutação R337H, além de reagentes para a extração do DNA de amostras de sangue seco em papel filtro”, explica a pesquisadora. Embora já existam outras técnicas para detectar a mutação, para se chegar a um resultado, são necessárias várias etapas, que demandam muito tempo e um alto gasto de reagentes.

Essas técnicas utilizam o PCR (polymerase chain reaction) convencional, mas o novo método utiliza o PCR em tempo real (RQ-PCR). “Ele não necessita de reações posteriores, o que agiliza bastante o processo. Além disso, é bastante sensível, sendo suficiente uma gota de sangue para a realização do teste. Enquanto as técnicas mais utilizadas levam mais de um dia para chegar a um resultado, a que utilizamos leva entre duas e quatro horas”, explica Isabel. Segundo ela, também é possível analisar várias amostras de sangue simultaneamente. Além disso, as outras técnicas são artesanais e dependem da análise visual, enquanto o novo método, que está em processo de patenteamento, é automatizado.

Ação precoceA intenção é de que o método integre o teste do pezinho, pois a detecção da mutação nos primeiros dias de vida poderia auxiliar no diagnóstico precoce de doenças. Um estudo paranaense comprova esse benefício. Nele, as crianças com resultados positivos para a mutação foram acompanhadas clinicamente durante anos. Todas as que desenvolveram câncer tiveram um bom prognóstico. “O tumor foi detectado ainda pequeno, o que resultou em ótimas chances de cura. Entre as crianças cujos pais não permitiram a participação (no estudo), no entanto, os tumores foram detectados apenas quando já estavam mais avançados, o que às vezes exige quimioterapia além da cirurgia de retirada do tumor. Houve inclusive uma que morreu, pois a doença já estava muito avançada”, conta Caminha.

Embora a mutação seja apenas um indício de que a doença pode se desenvolver durante a vida. Nesse estudo do Paraná, por exemplo, apenas 2,39% das crianças com a alteração desenvolveram o tumor de córtex adrenal. Isabel defende que, com o acompanhamento clínico nos primeiros anos de vida, as chances de cura aumentam. Além disso, como a mutação é dominante, ela sempre será repassada aos descendentes do portador.

“Estudos indicam que a família que carrega a mutação tem três vezes mais casos de câncer do que a família não portadora. Considero, devido a isso, imprescindível o aconselhamento genético para essas famílias. Ultrassonografia e exames de sangue periódicos auxiliariam na detecção precoce do tumor”, diz a pesquisadora. Um levantamento de preços feito no estudo verificou que o valor aproximado para testar cada paciente seria de R$ 3. “Se os reagentes forem comprados em grande quantidade pelo governo, o valor deverá diminuir consideravelmente”, ressalta Caminha.

Análise regionalAlém da descoberta de uma nova maneira de análise genética, a pesquisadora planeja analisar um aspecto geográfico da síndrome de Li-Fraumeni. Caminha pretende descobrir por que os casos de tumor de córtex adrenal ligados à mutação R337H são 15 vezes maior nas regiões Sul e Sudeste do que no resto do mundo.

“Existe uma teoria de que um imigrante de Portugal trouxe a mutação para o Brasil. Ele seria tropeiro e teria disseminado a mutação ao longo de sua rota. Devido a isso, os casos de tumor de córtex adrenal seriam mais frequentes na região. Entretanto, ainda são teorias. Estamos nos reunindo com profissionais que conhecem o desenvolvimento da região para confirmar ou refutar esta hipótese”, explica.

Proteína prejudicadaNa mutação R337H, a alteração se dá nos aminoácidos arginina, identificado por R, e histidina, identificado por H. Nessa região do DNA do gene TP53, acontece uma troca entre os dois aminoácidos, o que gera um mau funcionamento da proteína P53, conhecida com guardiã do genoma. “Se uma célula começa a acumular mutações, é normal que o P53 provoque uma autodestruição dela ou uma reparação. A proteína protege o genoma do mau funcionamento, mas, se ela não funciona direito, as células se comportam descontroladamente e acabam gerando tumores”, explica oncogeneticista Antônio Abílio Pereira da Santa Rosa.



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Fonte: Saúde Plena

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